Publicado originalmente em 15 de Março de 2019
Na última sexta-feira, 8 de março, 30 mil professores de São Paulo reunidos em uma assembleia em frente à prefeitura viram o presidente do sindicato (SINPEEM), Claudio Fonseca, acabar com a greve mesmo com a maioria dos professores votando pela sua continuidade.
Os professores de São Paulo estavam há 33 dias em greve contra a reforma da previdência do prefeito de direita Bruno Covas (PSDB), aprovada no final do ano passado pela Câmara Municipal.
“É bem revoltante”, disse a professora Marília aos repórteres do WSWS presentes na assembleia. Ela continuou: “A expectativa era outra, a gente não conseguiu nada do que queria. Ele [o prefeito] só negociou a questão dos salários cortados, e saímos de uma greve de 33 dias como começamos.”
Sua amiga, a também professora Juliana, ainda explicou que “o presidente do sindicato, que foi eleito vereador em 2016, apoiou o partido [PSDB] que está hoje no poder da prefeitura de São Paulo... A gente imaginava que isso ia acontecer. Os professores decidiram continuar a greve, até porque a gente não conseguiu o aumento salarial de 10%”, uma outra proposta que estava sendo negociada com o prefeito, além da revogação da reforma da previdência.
A coordenador pedagógica Paula lembrou que “a mesma coisa que aconteceu hoje aconteceu em 2012 com o mesmo sindicato à frente”, quando Fonseca também decidiu acabar uma greve de sete dias contra a vontade dos professores. Depois da assembleia, professores revoltados cercaram o caminhão de som de onde Fonseca comandava a assembleia, que só conseguiu deixar o caminhão duas horas depois com a ajuda da polícia.
Porém, ao contrário da greve de 2012, a greve deste ano, que aconteceu em meio a pior crise econômica do país e em um momento de ataques muito maiores a todos os trabalhadores, foi muito mais longa, participativa e também mostrou uma disposição de luta muito maior dos professores.
Nas últimas semanas, além dos comandos de greve que estavam sendo organizados por regiões da cidade de São Paulo, dos atos regionais e das manifestações unificadas que levaram até 80 mil professores e outros funcionários públicos também em greve às ruas de São Paulo, os professores estavam mostrando uma radicalidade muito maior em suas ações.
No dia 27 de fevereiro, um grupo de quase 100 professores ocupou a Diretoria Regional de Educação de São Miguel e interrompeu uma reunião entre o sindicato e representantes do governo contra a decisão do prefeito de cortar o salário dos professores em greve. Um dia antes da greve terminar, em 7 de março, funcionários públicos também ocuparam a secretaria da saúde. Além disso, na manifestação de 19 de fevereiro, o presidente do sindicato impediu que os professores bloqueassem a maior e mais movimentada avenida de São Paulo, a Marginal Tietê, uma decisão que tinha sido deliberada na própria assembleia.
Depois do presidente do sindicato decidir acabar a greve, os professores gritaram: “Não tem arrego!”, “pelego!” e “vendido!”, e atacaram garrafas de água vazias sobre ele que estava comandando a assembleia em cima de um caminhão de som. Depois da assembleia, assim como aconteceu em 2012, os professores ainda cercaram o caminhão de som, e Fonseca só conseguiu deixar o caminhão horas depois.
Depois da traição do sindicato, no grupo do Facebook “Professores do Município de São Paulo”, que possui quase 20 mil membros, professores postaram vídeos denunciando a manobra do sindicato. Um deles dizia: “Contra imagens, não há manobra! Foi claro o desejo da categoria pela continuidade da greve.” Outras postagens exigiam o impeachment do presidente do SINPEEM, e se iniciou uma campanha em massa pela desfiliação do sindicato. Os comentários nas postagens diziam: “no momento que mais precisamos do sindicato, ele não nos representou”, “cansei de dar dinheiro para esse bando de ladrões, bandidos e vagabundos do SINPEEM”.
Muitos professores com quem os repórteres do WSWS conversaram também chamaram a atenção para o fato da dirigente de oposição do sindicato, Laura Cymbalista (PSOL), que propôs a continuidade da greve, não ter feito nada para se contrapor à decisão do presidente do sindicato em acabar com a greve. Um comentário do Facebook dizia: “se a professora que defendeu a continuidade da greve tivesse ficado no caminhão..., mas [ela] desceu correndo”.
Outra professora com quem os repórteres do WSWS conversaram, Lurdes, disse que “faltou mais empenho do sindicato durante a greve”, que a manteve isolada durante os 33 dias. Quando perguntada se a APEOESP, o sindicato dos professores do estado de São Paulo que é filiado à CUT, poderia ter se juntado aos professores municipais, ela respondeu: “Sim, claro, porque a luta é conjunta. Se professores das escolas estaduais e municipais não se juntam, fica mais difícil lutar.”
Porém, ela também lembrou do longo histórico de traições da APEOESP e de sua presidente, Maria Isabel Noronha, conhecida como Bebel, que é filiada ao PT e foi eleita deputada estadual no ano passado. Segundo ela, “a Bebel, em 2005, quando a gente tomou a Avenida Paulista, acabou uma greve sem ninguém ter levantado a mão”.
A mesma coisa voltaria a acontecer anos depois, em 2013, quando os professores municipais e estaduais realizaram uma greve ao mesmo tempo, mas que os dois sindicatos fizeram de tudo para mantê-las separadas. Depois de três semanas em greve, os professores estaduais viram a Bebel acabar com a greve para não desgastar o prefeito do PT de São Paulo, Fernando Haddad, que no fim de 2016 enviaria sua reforma da previdência para a Câmara Municipal três dias antes de deixar a prefeitura, abrindo o caminho para Covas aumentar os ataques contra os professores e demais funcionários públicos.
A professora Juliana ainda lembrou que, embora sua direção seja ligada ao PT, “a APEOESP não teve força para barrar os ataques [do governo do PSDB], o que fez a qualidade da educação pública estadual piorar muito.” Sua amiga, Marília, explicou que “o sindicato entrava nos acordões, deixando o governo levar adiante esse plano em troca garantias muito frágeis para os professores”.
“A gente não quer que a situação das escolas municipais e os nossos salários cheguem aos níveis das escolas estaduais [onde os professores ganham um salário 30% menor]. As escolas estão sem estrutura, a gente vê que a situação caminha na mesma direção”, Juliana completou. Marília ainda disse que “o PSDB [partido do prefeito e do governador de São Paulo, João Doria] também criou outras formas de contrato, em que os professores não podem entrar em greve e possuem muito menos direitos”.
Quando os repórteres do WSWS disseram que os professores de todo o mundo sofrem as mesmas traições de seus sindicatos locais, a professora Lurdes disse: “A gente [ela e a coordenadora pedagógica Paula] estava conversando aqui e se questionando: será que isso é um movimento mundial? Deve ter alguma coisa errada no país, porque os direitos estão se perdendo, conquistados com luta e morte [e] você não vê no Brasil o sindicato se mobilizando, às vezes fazem um movimento ou outro, mas não adianta nada.”
O que se repetiu na assembleia de 8 de março dos professores municipais de São Paulo, da mesma maneira que vem acontecendo com os professores do estado de São Paulo e com todas as categorias de trabalhadores ao redor do mundo, é uma confirmação da análise do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) de que os sindicatos não representam os interesses dos trabalhadores, e que novas organizações de luta, os comitês de base de trabalhadores independentes dos sindicatos, devem ser formadas.
Essa análise, porém, se contrasta com as análises das organizações da pseudo-esquerda no Brasil e no mundo, que continuam não só semeando ilusões nos sindicatos, como também omitindo e encobrindo suas traições. Depois do fim da greve dos professores de São Paulo, nenhuma organização da pseudo-esquerda denunciou a traição do presidente do sindicato.
A Resistência, tendência interna do PSOL, e seu site, EsquerdaOnline – que tem publicado textos da Organização Socialista Internacional (ISO, na sigla em inglês) dos EUA, assim como a ISO tem publicado textos de membros da Resistência em seu site, Socialist Worker –, não escreveu uma única linha tanto sobre o fim da greve quanto a traição do sindicato.
Com o título “Apesar do Sinpeem e das direções, municipários de São Paulo encerram greve derrubando o corte de ponto”, a reportagem da seção brasileira da Fração Trotskista (a tendência liderada pelo morenista PTS da Argentina), publicada no site Esquerda Diário, não escreveu uma única linha sobre o presidente do sindicato ter acabado a greve contra a vontade dos professores.
Já os professores ligados a outra tendência interna do PSOL, Liberdade Socialismo e Revolução (LSR), a seção brasileira do Comitê por um Internacional dos Trabalhadores (CIT), que nos EUA publica o site Socialist Alternative, levou quatro dias para escrever em sua página do Facebook, Luta Educadora, que os professores não podem “concluir [que a resposta à traição de Fonseca] seja a desfiliação do sindicato. Os sindicatos são instrumentos de luta históricos da classe trabalhadora e precisam ser defendidos, principalmente num momento em que o governo ultra liberal de Bolsonaro declara guerra ao movimento sindical dizendo que não permitirá qualquer tipo de ativismo.”
Porém, a guerra de Bolsonaro contra os trabalhadores brasileiros está sendo diretamente facilitada não só por essas organizações, mas também pelos maiores sindicatos e centrais sindicais no Brasil. A total acomodação das organizações da pseudo-esquerda aos sindicatos acontece ao mesmo tempo que a CUT e seus sindicatos aproximam-se do governo Bolsonaro através de seu vice-presidente, o general de direita Hamilton Mourão.
Depois dos presidentes da CUT e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Vagner de Freitas e Wagner Santana, respectivamente, terem se reunido com Mourão enquanto Bolsonaro estava hospitalizado, no final de janeiro, para “construir um canal de diálogo com o governo” e “negociar os interesses dos trabalhadores”, como Freitas disse em uma entrevista ao El País em dezembro passado, Santana voltou a se reunir com Mourão em 1˚ de março agora para discutir o fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo. Em uma postagem no Facebook, Santana disse que Mourão foi “sensível … e se comprometeu a ajudar”.
A cobertura que a pseudo-esquerda está fazendo da traição do sindicato possui um paralelo com a aproximação da CUT de Mourão. Para a professora Juliana, o governo Bolsonaro “se mostra muito desarticulado, … sempre desacreditado pelo que fala, pelo que propõe.” Por isso, ela completa, “a esquerda cirandeira diz que o Mourão é razoável. Mas, na verdade, ele também não é.”
A greve dos professores de São Paulo, assim como está acontecendo no resto do mundo, é uma antecipação das lutas em massa que acontecerão no Brasil contra o governo do presidente fascista Jair Bolsonaro e suas medidas de austeridade. A CUT já foi forçada a chamar greves e atos contra a reforma da previdência de Bolsonaro para a sexta-feira da próxima semana, 22 de março.
Porém, o histórico de traições do SINPEEM, da APEOESP e de todos os sindicatos ligados à CUT deve servir como uma importante advertência para os professores e todos os trabalhadores que agora iniciarão sua luta contra o governo Bolsonaro.
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