Publicado originalmente em 2 de dezembro de 2019
Em 21 de novembro, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro lançou um novo partido, a Aliança pelo Brasil, uma formação fascista explicitamente baseada na lealdade ao presidente. Segundo o manifesto lançado em 12 de novembro, “muito mais que um partido, é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Jair Bolsonaro, de unirmos o país com aliados em ideais e intenções patrióticas”.
O nome do partido relembra deliberadamente a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que foi criada em 1966 pela ditadura militar que governou o Brasil. O programa do novo partido, publicado no evento de lançamento, é expresso na linguagem do neofascismo estadunidense contemporâneo, como aquela elaborada por Steve Bannon, com quem o filho de Bolsonaro, Eduardo, mantém relações próximas. Eduardo Bolsonaro, que é deputado federal e presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, é considerado o líder do “Movimento” de Bannon na América do Sul.
O programa define um plano para um movimento fascista baseado na relação “intrínseca, fundante e inseparável” entre a “nação e Cristo” e “parte da civilização Ocidental”. Ele afirma que se trata de um programa a ser implementado por Bolsonaro “porque é o caminho que a providência divina vem sucessivamente atestando e que o povo repetidamente aponta”.
Em linguagem obcecada com a “lei natural” e a “segurança”, o programa “repudia o socialismo e o comunismo em todas as suas vertentes”, a “luta de classes” e qualquer limitação sobre a propriedade privada. Ele também apresenta planos para retirar quaisquer restrições legais sobre as forças de segurança.
Ao mesmo tempo que “repudia a luta de classes”, o novo partido “prega a restauração do valor do trabalho” através da “colaboração de todos os cidadãos pelo seu trabalho, seja através da direção ou execução”.
Em um capítulo inteiro sobre a defesa da “família” como o “núcleo natural e fundamental da sociedade”, o programa declara que “repudia o aborto sob todas as suas formas e lutará contra qualquer iniciativa de promoção do aborto e da cultura da morte”. Considera ainda o aborto uma “traição social”, que, se permitido, destruiria “todo o edifício moral e jurídico sustentador do Estado”. Previsivelmente, o programa propõe aumentar as penas sobre a “pedofilia e o tráfico de crianças” enquanto promete “banir completamente” discussões sobre os direitos de LGBT.
No evento de lançamento da Aliança pelo Brasil, Bolsonaro recebeu de presente um painel com o logo e o nome do novo partido formado por cartuchos de balas.
O lançamento de um partido como esse representa uma ameaça não apenas aos trabalhadores brasileiros, mas – dada a história de colaboração entre os EUA e o Brasil para impor ditaduras em todo o continente – a toda a classe trabalhadora sul-americana. Sua criação acontece após repetidas ameaças de implementar medidas de estado policial se grandes manifestações, inspiradas por aquelas que já estão varrendo o Equador, Bolívia, Chile a agora Colômbia, acontecerem no Brasil.
Há cerca de um mês, tanto Eduardo Bolsonaro quanto o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, fizeram referências diretas ao AI-5, que fechou o Congresso Nocional, deu poder ao regime militar para suspender direitos políticos, suspendeu o habeas corpus e institucionalizou a tortura como um meio de suprimir a oposição política. Duas semanas atrás, Bolsonaro ameaçou usar a Lei de Segurança Nacional da ditadura contra o ex-presidente pelo PT, Luís Inácio Lula da Silva, por “subversão” depois que ele fez vagas referências positivas aos protestos no Chile em frente a milhares de apoiadores. Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em um fórum de negócios nos EUA para ninguém se assustar se forem defendidas ou implementadas medidas de repressão como o AI-5.
A possibilidade de Bolsonaro dar um golpe é agora discutida constantemente na imprensa, com a principal questão sendo a capacidade do presidente de liderar tal movimento. Após as declarações de Guedes nos EUA, a colunista da Folha de S. Paulo, Daniela Lima, escreveu que os investidores especulam que, incapaz de superar divisões no Congresso, “o governo tentará criar uma crise para ampliar poderes para além dos limites constitucionais”.
Na mesma semana que lançou seu partido, Bolsonaro enviou ao Congresso o Projeto de Lei 6.125, que garante impunidade aos militares por assassinatos “mediante violência ou grave ameaça” durante as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
As operações de GLO foram utilizadas 138 vezes desde que foram criadas pela Constituição de 1988. Seu uso mais notável foi durante a intervenção de um ano e meio no estado do Rio de Janeiro, quando os assassinatos pelas forças do estado aumentaram 80% em algumas regiões e a vereadora municipal do Rio, Marielle Franco, foi brutalmente executada. Nesse mesmo sentido, em 26 de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou a ampliação da definição de “legitima defesa” no Código Penal Militar, isentando militares das forças armadas de crimes quando anteciparem-se a “injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem”.
Bolsonaro relacionou diretamente a aprovação da ampliação da legítima defesa à ameaça de serem realizadas manifestações em massa, afirmando na terça-feira que o Congresso precisa dar ao presidente tais poderes em caso de “atos terroristas”, como
“incendiar ônibus” e “invadir ministérios”, anunciando também que pediria autorização para enviar o Exército para fazer a reintegração de posse de acampamentos de trabalhadores rurais sem terra exigindo a reforma agrária.
A crise sem precedentes que afeta o governo burguês no Brasil – a força motora por trás da formação do novo partido de Bolsonaro – encontrou intensa expressão nas reações do jornal mais antigo do país, O Estado de S. Paulo, a um comentário feito pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é conhecido por parafrasear os nazistas dizendo que “os comunistas estão no topo do país, ... das organizações financeiras, eles são os donos dos jornais, eles são os donos das grandes empresas e monopólios”.
No feriado da Proclamação da República, Weintraub chamou o primeiro presidente do país, o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, de “traidor” e defendeu a monarquia. O Estado de S. Paulo, que age como um porta-voz da cúpula do Exército, contando frequentemente com a participação de generais nas suas páginas de opinião, exigiu a demissão do ministro em um editorial intitulado “Linha vermelha”. O colunista de direita, Demétrio Magnoli, que é alinhado às posições do conselho editorial do Estado, escreveu na Folha: “O problema de Weintraub não é Deodoro, mas a ruptura política que inaugurou a modernidade. A República, cidade sem Deus”. Magnoli ainda acrescentou depois que, como o presidente, o ministro acredita que o positivismo – a ideologia oficial da cúpula do Exército na virada do século XX – “abre as portas para o comunismo”.
Muitos colunistas apontaram que a linguagem fascista apresentada pelo novo partido de Bolsonaro não possui precedentes mesmo considerando que no país existiu um partido como a ARENA.
Diante de tais ameaças, entretanto, todas as forças políticas – desde os conselhos editoriais burgueses até a pseudo-esquerda – estão tentando minimizar as atitudes de Bolsonaro dizendo que são um produto de disputas comuns por financiamento de campanha ou por conta de esquemas de corrupção, isso quando não as descartam completamente dizendo que não terão maiores consequências.
Segundo o editorial de 16 de novembro do Estado, “a essa altura já está claro que a motivação para a saída do presidente Jair Bolsonaro do partido que lhe deu guarida na campanha eleitoral de 2018 é puramente financeira”, afirmando que “tampouco é razoável a criação de mais um partido político no Brasil”. Ainda mais covarde foi a reação da Folha, a porta-voz da oposição “liberal” a Bolsonaro, que escreveu em um editorial em relação ao programa do novo partido que “textos como esse não significam muito na prática”, criticando o fato de que ele “não toca no propalado liberalismo econômico associado ao governo do presidente”.
Como esperado, um tom pouco sério também foi repetido pelos tipos da pseudo-esquerda de classe média alta que chamaram histericamente o voto no PT em 2018 para “impedir o fascismo”. Um mês antes de lançar o partido, escrevendo para o Intercept sobre as disputas pelo fundo partidário dentro do PSL, o ex-partido de Bolsonaro, João Filho concluiu: “o bolsonarismo é um projeto de destruição da democracia. Mas tudo leva a crer que o chimpanzé presidencial e os seus aliados, cada vez menos numerosos, se auto-implodirão antes de cumprir essa tarefa”.
É fato que Bolsonaro não possui praticamente qualquer apoio de massas para tal projeto, muito menos uma base de massas na classe média, que foi o que caracterizou o fascismo nos anos 1930. Mas, para seus críticos da pseudo-esquerda, as ações das massas são irrelevantes. Com uma profunda falta de seriedade, eles buscam prever o destino da democracia brasileira a partir da inteligência do “chimpanzé presidencial”. As declarações dos políticos do PT também não acrescentaram em nada na análise da criação do novo partido do presidente brasileiro. De fato, o exemplo de Bolsonaro de “incendiar ônibus” como sendo um ato terrorista que justificaria o aumento dos poderes repressivos do estado foi exatamente o mesmo dado por muitos governadores do PT, com o próprio Bolsonaro elogiando o governador do Ceará, Camilo Santana, porque “ele provou que essa questão do combate à violência não pode ser com direitos humanos”.
A burguesia brasileira está buscando um alinhamento sem precedentes com o imperialismo estadunidense no momento de sua maior crise, em que ambos os países regurgitam a sujeira fascista na forma de Bolsonaro e Trump. A “esquerda” de classe média alta brasileira, imitando o Partido Democrata – e seções do estado e suas agências de inteligência pelas quais ela fala –, apresenta Bolsonaro como uma “aberração” sem relação com a crise cada vez mais profunda do capitalismo, que deve ser resolvida pelo próprio capitalismo através de um golpe palaciano ou uma operação parecida.
A ameaça do fascismo não tem origem na mente de Bolsonaro, mas na visão de mundo de uma seção significativa da classe capitalista brasileira, que está vendo na ditadura um meio de defender a sua riqueza contra uma classe trabalhadora que está se levantando. Apenas a mobilização independente da classe trabalhadora, armada com uma estratégia socialista internacionalista e em oposição consciente à política do PT e seus satélites da pseudo-esquerda, será capaz de derrotar a ameaça do fascismo ao colocar um fim a sua fonte, o sistema capitalista.