Publicado originalmente em 13 de dezembro de 2019
Uma onda de greves de professores de escolas públicas estaduais, acompanhados de outros funcionários públicos, tem varrido o Brasil desde novembro. Com toda a classe trabalhadora brasileira enfrentando ataques praticamente idênticos àqueles dos professores, há um grande potencial para a erupção de um levante nacional como no Chile.
Os governos de várias cidades e estados brasileiros estão tentando aprovar, simultaneamente, modificações nos regimes de previdência dos funcionários públicos. As medidas têm o objetivo de retirar direitos previdenciários dos servidores públicos estaduais e municipais tal como a reforma da previdência do presidente fascista Jair Bolsonaro recentemente aprovada. Servidores públicos municipais e estaduais não fazem parte do regime previdenciário nacional. Uma greve geral de um dia havia sido convocada em junho contra a reforma da previdência, mas foi sabotada pelas centrais sindicais.
Em um esforço para destruir os postos de trabalho do funcionalismo público, um ataque generalizado aos servidores tem sido realizado. O governo Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, já deixaram claro que pretendem privatizar todos os serviços públicos. Guedes, que é irmão da presidente da Associação Nacional das Universidades Privadas, Elizabeth Guedes, têm defendido a substituição das escolas públicas por escolas privadas que “ofereçam um serviço mais barato”, i.e., que rebaixam os custos da força de trabalho.
A primeira das greves foi iniciada pelos professores do Rio Grande do Sul depois de o governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), anunciar mudanças no regime de previdência e nos planos de carreira. Esse anúncio foi a gota d’água para os professores que já haviam sofrido grandes ataques.
Os professores e outros servidores públicos do Rio Grande do Sul estão sem reajuste salarial há 5 anos, e seus pagamentos têm sido constantemente atrasados desde a gestão anterior, de José Sartori (MDB). Sartori foi derrotado em sua campanha de reeleição, que focou na necessidade de cortar gastos do estado pela enorme crise fiscal do Rio Grande do Sul.
O anúncio do governador recém-eleito de que aprofundará os ataques aos servidores públicos provocou uma imediata oposição dos trabalhadores, que se levantaram contra as novas medidas e os salários atrasados. Uma assembleia no dia 14 de novembro em frente à sede do governo, em Porto Alegre, reuniu cerca de 20 mil professores e aprovou o início da greve para a semana seguinte.
Ao final da primeira semana de greve, o governo de Leite tentou forçar o retorno ao trabalho, anunciando o corte dos salários dos grevistas e afirmando que não negociaria a reposição das horas paradas. A ameaça de cortar os salários, que já não estavam sendo pagos normalmente, revoltou ainda mais os professores. Ao invés de intimidá-los, a medida fez o movimento grevista crescer.
No início da segunda semana de greve, estimou-se que mais de 1.500 escolas do estado – cerca de 65% do total – estavam total ou parcialmente paralisadas. A partir de então, a greve de professores foi considerada a maior das últimas décadas no Rio Grande do Sul. A greve se espalhou pelo interior do estado, e em algumas cidades todas as escolas foram fechadas.
Na capital, uma grande manifestação com professores e estudantes, realizada no dia 26 de novembro, foi reprimida brutalmente pela tropa de choque da Polícia Militar. Os professores tentaram entrar na Assembleia Legislativa, junto com uma comissão de negociação do sindicato, e foram recebidos com cassetetes e bombas que deixaram 11 professores e estudantes feridos.
Nesse mesmo dia, uma assembleia das demais categorias do funcionalismo público lotou o auditório de um hotel em Porto Alegre, ocupando também as calçadas em frente ao edifício. Entre os trabalhadores ali presentes, que votaram pelo início imediato da greve, estavam fiscais agropecuários e funcionários da saúde.
A maneira como o movimento grevista se espalhou deixou clara a aguda divisão de classes de toda a sociedade brasileira. A população do estado se identificou prontamente com os servidores públicos, rejeitando a mentira propagandeada pelo governo de que os cortes às suas condições são um combate a “privilégios”.
A greve tornou-se uma mobilização de setores mais amplos da classe trabalhadora, que se somaram aos professores nas ruas. Em cidades do interior, protestos populares pararam as principais rodovias do estado. O movimento da classe trabalhadora ainda trouxe atrás de si pequenos comerciantes locais, também oprimidos pelo sistema capitalista. Nas vitrines de várias lojas, cartazes foram pendurados com a frase “apoio à greve dos professores”.
No lado oposto, reuniram-se os capitalistas e seus representantes, expondo os interesses que dominam o governo do estado. Num vídeo que circulou pelas redes sociais, o presidente da Federação do Comércio de Bens e Serviços aparece na diretoria da instituição cercado de empresários que, segundo ele, “representam metade do PIB do estado”. Eles exigiam que os deputados votassem “a favor do pacote de reformas do setor público estadual, pois só assim sairemos da atual crise financeira do estado”.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, apareceu ao lado de Eduardo Leite, dizendo que o governador “está fazendo um trabalho heroico” combatendo gastos com funcionalismo e previdência que estão “fora do lugar”. O Tribunal de Justiça também apoiou o governo, sustentando legalmente o corte de salários dos servidores em greve.
Na mesma semana em que a greve se intensificava no Rio Grande do Sul, professores em Sergipe entraram em greve. O governo do estado, formado por uma coligação entre o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido dos Trabalhadores (PT), lançou duros ataques aos planos de carreira e aposentadorias dos professores para “economizar folhas de pagamento”.
Em menos de uma semana do início da greve, que começou em 26 de novembro, 40% das escolas do estado estavam paralisadas, o que fez o governo retirar da pauta a maior parte das propostas e a greve se encerrar. Apesar do sindicato ter declarado que se tratava de uma vitória da categoria, o governo conseguiu implementar pelo menos um de seus ataques. O direito à redução da jornada de trabalho após 15 anos de carreira passará a valer apenas depois de 20 anos em sala de aula.
Na segunda-feira seguinte, 2 de dezembro, os professores do Paraná cruzaram os braços contra a mudança nas regras de aposentadoria e contra o fechamento do período de aulas noturno.
Em 2015, os professores paranaenses realizaram uma greve massiva contra outro projeto de reforma da previdência. Os professores ganharam apoio geral da população, sobretudo após uma repressão brutal da Polícia Militar, que deixou mais de 200 feridos, quando tentaram ocupar a Assembleia Legislativa para impedir a votação do projeto.
Desta vez, os ataques sobre as aposentadorias têm efeitos mais imediatos, aumentando consideravelmente as taxas de contribuição e a idade mínima de aposentadoria. Uma manifestação realizada em 3 de dezembro derrubou as grades e ocupou a Assembleia Legislativa durante a votação do projeto. Diante da ocupação, os parlamentares se transferiram para outro edifício, cercado de policiais, e continuaram suas deliberações. Nessas condições, o sindicato encerrou a greve, defendendo que a volta ao trabalho seria a melhor forma de “prosseguir a luta”.
Apesar de os ataques sobre os funcionários públicos do país serem os mesmos, as greves têm acontecido de forma isolada e sem comunicação entre elas. Isso acontece apesar de os sindicatos desses estados pertencerem a CUT e estarem articulados através da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), que não tiveram qualquer interesse em unir as greves que estão acontecendo.
Em São Paulo, a APEOESP, o sindicato de professores da rede pública estadual, alega ser um dos maiores sindicatos de toda a América Latina, com 180 mil membros. A APEOESP é presidida há mais de 10 anos pela também deputada estadual do PT, Professora Bebel.
Os professores de São Paulo estão igualmente ameaçados por uma reforma da previdência e por um novo plano de carreira, que inicialmente aumenta o salário, mas acaba com a progressão salarial e com a estabilidade do emprego. Diante desses ataques, a APEOESP tem convocado, desde o dia 26 de novembro, uma greve “somente às terças feiras”.
Danilo, um professor da rede pública estadual há 15 anos, disse ao World Socialist Web Site que “no estado de São Paulo o movimento já começou muito fragilizado”. Referindo-se ao aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14% do salário, ele disse: “Eu não vejo uma briga real para que não passe os 14%. Já estão dando como certo que passou.”
Fabiano, que dá aulas há 8 anos na rede pública estadual, disse que o governo, ao jogar a votação para o fim do ano “usa a mesma estratégia que adotou na Prefeitura”, onde a reforma da previdência foi aprovada em dezembro de 2018. A APEOESP convocou a mobilização na última terça-feira de novembro, que costuma ser a última semana de aulas dos alunos. Contudo, segundo Fabiano, “Não foi proposta uma greve, mas uma paralisação todas as terças, o que já é esquisito.”
Ambos os professores frisaram que as grandes perdas dos salários e a deterioração das condições de trabalho ocorridas na última década têm obrigado os trabalhadores a recorrerem a uma segunda fonte de renda ou a se acostumarem a condições de miséria. Além disso, os professores foram divididos em várias subcategorias, com a generalização de contratos precários. “Temos o professor efetivo e vários outros professores que simplesmente trabalham em condições extremas de falta de direitos”, disse Danilo. “Parece que os sindicatos se acomodaram a essas condições, permitindo que os servidores ali fossem divididos.”
Os dois professores duvidam que os sindicatos possam unir as greves nacionalmente. Como é o caso de muitos professores da rede pública estadual, eles possuem uma segunda jornada de trabalho em uma escola municipal. Ambos relataram que, mais de uma vez, a APEOESP e o SINPEEM, o sindicato dos professores municipais, convocaram manifestações para o mesmo dia, mas em locais diferentes, forçando a separação da base. “Nunca vi nenhuma ação conjunta, muito pelo contrário. A impressão é que tanto um sindicato como o outro querem manter distância,” disse Fabiano.
Para Danilo, “Os sindicatos são feitos por homens que não tem apenas ideologias, mas aspirações e interesses. É dividir para conquistar. Enquanto os professores não entenderem que somos uma classe, nós não teremos uma unificação.”
Para os professores estaduais unificarem suas greves, precisam romper o controle dos sindicatos sobre seu movimento. Os sindicatos são contrários à ação política independente da classe trabalhadora, pois ela coloca em risco sua base material de existência. Não querem que seus fundos financeiros, que lhes garantem condições muito superiores à da classe trabalhadora, sejam comprometidos por greves e nem que a luta de classes atrapalhe suas pretensões políticas com o Estado burguês. Sob o controle dos sindicatos, os trabalhadores terão suas condições de existência, já deterioradas, negociadas para baixo.
O movimento dos trabalhadores brasileiros faz parte do ressurgimento da luta de classes em nível mundial. O ano de 2019 foi marcado por greves de professores ao redor do mundo, em dezenas de países e nos cinco continentes. Em todos esses lugares, os professores estão lutando contra governos e corporações capitalistas que exigem privatização e cortes na educação e têm sido, invariavelmente, isolados e traídos pelos sindicatos. Superar esse obstáculo com novas formas de organização, dirigidas democraticamente pela base, é uma tarefa crucial para a classe trabalhadora mundial.