Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas do Brasil no último sábado em uma nova rodada de protestos contra a política assassina do presidente fascistoide Jair Bolsonaro em relação à pandemia de COVID-19. Os protestos aconteceram em centenas de cidades de todos os 26 estados brasileiros e também no exterior. Na maior das manifestações, 70 mil pessoas se reuniram na avenida Paulista, em São Paulo, segundo os organizadores.
Foi a quarta manifestação em massa contra Bolsonaro desde o dia 29 de maio, quando os protestos de rua começaram a acontecer depois de uma segunda onda mortal da pandemia em março e abril e em meio a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga a conduta do governo federal no combate à pandemia. A CPI já revelou indícios tanto de uma política deliberada de imunidade de rebanho, ou seja, de deixar o vírus se espalhar e contaminar o maior número de pessoas, quanto de corrupção na compra de vacinas.
As manifestações têm sido convocadas pela “Campanha Nacional Fora Bolsonaro”, composta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e outros partidos burgueses, como o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), junto com os satélites da pseudoesquerda do PT, como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e por todas as centrais sindicais brasileiras – incluindo a CUT, controlada pelo PT, a morenista Conlutas, ligada ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), e a Força Sindical, cuja origem remonta à ditadura militar brasileira.
Em nota divulgada em 21 de junho, as centrais sindicais brasileiras escreveram que a manifestação tem o objetivo de “pressionar o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira”, a quem cabe abrir o processo de impeachment, “a pautar um dos mais de cem pedidos de impeachment”.
Essa demanda revela muito do caráter dessas organizações e para onde estão buscando canalizar a oposição contra Bolsonaro. Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, o Brasil assistiu às maiores manifestações em anos contra os cortes educacionais do governo federal. Desde então, o PT, a pseudoesquerda e o sindicatos têm trabalhado para desviar essa enorme insatisfação popular a todas às instâncias do Estado capitalista – eleições e apelos vazios ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro – e utilizado as manifestações para aliviar a enorme pressão social vinda de baixo e conseguir controlar esse movimento potencialmente explosivo.
Desde 2019, as centrais sindicais brasileiras têm realizado atos de Primeiro de Maio conjuntos, algo inédito até então, e reunindo as figuras mais direitistas da política brasileira que realizaram amplos ataques à classe trabalhadora brasileira ao longo de anos, apoiaram a eleição de Bolsonaro e agora estão tentando se distanciar dele. Isso inclui principalmente a presença de autoridades do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que nos últimos dois atos de Primeiro de Maio contou com a presença do odiado ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Este ano estava prevista também a presença do governador de São Paulo, João Doria, mas a CUT, diante da ampla repercussão negativa, acabou bloqueando a sua participação.
Essa aliança política podre culminou com o “super-pedido” de impeachment solicitado pelo PT, o PSOL e as centrais sindicais junto com partidos e figuras de extrema direita. Entre os ex-apoiadores de Bolsonaro que assinaram o pedido de impeachment entregue em 30 de junho estão os deputados federais Alexandre Frota (PSDB) e Kim Kataguiri, do liberal MBL, um dos líderes das manifestações pelo impeachment forjado da ex-presidente petista Dilma Rousseff em 2016.
Nas manifestações de massas seguintes, em 3 de julho, os presidentes do PT e do PSOL, Gleisi Hoffmann e Juliano Medeiros, assim como os grupos morenistas do PSOL, Resistência e Movimento Esquerda Socialista (MES), defenderam abertamente a participação de partidos de direita para, segundo eles, “massificar” a luta contra Bolsonaro.
Para a manifestação de sábado, foi formada uma nova aliança política reacionária chamada “Bloco Democrático”, do qual faz parte o maioista Partido Comunista do Brasil (PCdoB), partidos abertamente de direita, como o PSDB e o Cidadania, e os movimentos de “renovação política” Renova e Acredito, que são financiados por grandes empresas e cujos integrantes no Congresso apoiaram a reforma da previdência de Bolsonaro em 2019. Algumas das centrais sindicais mais pelegas no Brasil fazem parte desse bloco, como a Força Sindical, além de organizações estudantis ligadas ao PCdoB, como a União Nacional dos Estudantes (UNE). O PCdoB é o maior defensor que os protestos assumam um caráter nacionalista “verde e amarelo”, ao invés do “vermelho” identificado com a esquerda, para formar uma “frente ampla” contra Bolsonaro.
Todo esse processo está acontecendo enquanto a pandemia continua grave no Brasil, e a demanda pelo seu controle através do fechamento de escolas, comércio e fábricas ter sido completamente excluída por partidos e sindicatos dos protestos. No limite, essas forças políticas estão atuando para dar uma cobertura criminosa à continuidade da implantação da política de imunidade de rebanho da elite dominante.
Em São Paulo, isso tem acontecido com reuniões regulares entre as centrais sindicais, incluindo a CUT, e Doria, com o objetivo de dar ao governador milionário uma “fachada social” – com políticas insuficientes, como o “vale gás”, a pedido das centrais sindicais – enquanto promove uma reabertura total de todas as atividades econômicas e escolas.
Apesar de o número de casos e mortes por COVID-19 terem diminuído ao longo do último mês com o avanço da vacinação, no sábado, o Brasil tinha uma média diária de 1.168 mortes e 37.885 casos. Já são 550.586 mortes por COVID-19 no Brasil, atrás apenas dos EUA. Apenas em São Paulo, na sexta-feira, foram 418 mortes e 12.086 casos registrados.
Com a transmissão comunitária da variante Delta confirmada em sete estados e sem a implementação de medidas de lockdown, especialistas apontam que o Brasil poderá assistir a um novo surto nas próximas semanas, como está acontecendo nos EUA e na Europa.
Diante de protestos de massas, da pandemia fora de controle e de denúncias emergindo da CPI da COVID, Bolsonaro e seus aliados têm aumentado suas ameaças de um golpe eleitoral, adotando os mesmos métodos empregados por Donald Trump na última eleição presidencial americana. Bolsonaro continua avançando a alegação sem provas de que o sistema de urnas eletrônicas no Brasil pode ser fraudado para favorecer o ex-presidente pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva.
Uma reportagem do Estado de S. Paulo de 22 de julho revelou que essas ameaças golpistas foram apoiadas pelo ministro da Defesa de Bolsonaro, Gen. Walter Braga Neto, que foi nomeado depois de Bolsonaro demitir de maneira sem precedentes todo o comando militar para alinhar as forças armadas por trás de sua agenda reacionária. O Estado informou que no início de julho, Braga Netto, acompanhado dos três chefes das forças armadas, pediu para um interlocutor alertar o presidente da Câmara, Arthur Lira, que não haveria eleições no ano que vem caso não houvesse “voto impresso e auditável”.
Existe também um projeto de lei do voto impresso previsto para ser votado em agosto em uma comissão especial na Câmara. A autora do projeto de lei do voto impresso é a direitista deputada federal Bia Kicis, uma das aliadas mais fiéis de Bolsonaro. Na sexta-feira, ela se encontrou com Beatrix Von Storch, uma das líderes do fascistoide partido Alternativa para a Alemanha (AfD), acompanhada de um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, que esteve em Washington em 6 de janeiro para aprender com a tentativa de golpe.
A resposta do PT, e de Lula em particular a esse desenvolvimento foi de total complacência e oportunismo político. A colunista do Globo Bela Megale escreveu na semana passada que “o ex-presidente silenciou sobre a matéria do Estado que revelou ... a ameaça [de Braga Netto] ... para não se indispor com os militares”. Ela ainda afirmou que “Lula não tem poupado esforços para se aproximar dos militares”.
Tanto o histórico do PT e os mais recentes movimentos de Lula e do partido expressam o caráter fraudulento da suposta oposição deles a Bolsonaro, assim como a tudo o que o presidente fascistoide representa, inclusive a ameaça de ditadura. Isso também vale para as organizações de pseudoesquerda e os sindicatos, cujo chamado reacionário para a participação da direita nas manifestações foi logo exposto. Em São Paulo, o “Bloco Democrático” conseguiu reunir apenas algumas dezenas de burocratas de sindicatos e partidos com bandeiras do Brasil em frente ao caminhão de som deles na avenida Paulista.
Assim como nos protestos anteriores, a classe trabalhadora brasileira esteve completamente ausente como uma força social organizada. Isso contrasta com a intensa oposição que se desenvolveu entre a classe trabalhadora brasileira ao longo da pandemia, com greves e protestos de trabalhadores industriais, de entrega de aplicativos, da saúde e professores em defesa das condições de vida e de suas próprias vidas contra a propagação sem controle do novo coronavírus. Esse movimento tem sido deliberadamente isolado e sabotado pelos sindicatos.
É a esse movimento em desenvolvimento que a juventude e os trabalhadores protestando têm que se voltar, e não ao beco sem fim da política burguesa representada pelo PT, por seus satélites na pseudoesquerda e pelos sindicatos. Para isso, são necessárias uma ruptura consciente e completa com essas organizações e a construção de uma nova direção revolucionária, o Grupo Socialista pela Igualdade, que está lutando para estabelecer a seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.