No último 6 de janeiro, enquanto os Estados Unidos marcavam um ano da tentativa de golpe por Donald Trump e seus apoiadores no Capitólio dos EUA, foi publicada uma reportagem preocupante sobre os preparativos dos militares brasileiros para as próximas eleições presidenciais em outubro.
O repórter Igor Gielow da Folha de São Paulo noticiou que o Exército brasileiro alterou seu cronograma de 2022, adiantando todos seus 67 exercícios militares para antes das eleições. Em conversas reservadas, declara o jornalista, o Alto-Comando do Exército justificou a mudança pelo “temor” de “incidentes de violência na eleição de outubro ou depois do pleito”. A partir desse período, eles alegadamente determinaram que “todo o efetivo da Força tem de estar à disposição para eventuais necessidades”.
De acordo com o artigo da Folha, os chefes militares falam entre si sobre um possível “cenário Capitólio” – em referência à invasão do Capitólio dos EUA no último 6 de janeiro – protagonizado por “apoiadores radicais” do presidente fascistoide Jair Bolsonaro.
Apesar das candidaturas ainda não terem sido oficializadas, as próximas eleições no Brasil serão provavelmente centradas numa disputa entre Bolsonaro, recentemente filiado ao Partido Liberal (PL), e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT). Com níveis recordes de desaprovação, as chances de Bolsonaro ser reeleito estão seriamente em questão. A pesquisa eleitoral mais recente, divulgada pela Quaest/Genial nesta quarta-feira, aponta à possibilidade da vitória de Lula no primeiro turno com 45% dos votos, seguido por Bolsonaro com 23%.
Entretanto, o presidente fascistoide já deixou claro que não irá se curvar aos resultados das urnas. Bolsonaro deu amplo aviso prévio de seus planos de protagonizar um golpe de Estado caso seja derrotado pelo voto – exatamente como Trump fez nos EUA. A resposta imediata do presidente brasileiro à invasão do Capitólio, em janeiro do ano passado, foi, após defender as alegações de Trump de fraude eleitoral, declarar que “se nós não tivermos o voto impresso em 2022... vamos ter problemas piores do que os Estados Unidos”. Desde então, eventos extraordinários ocorreram no Brasil, que evidenciaram a crise mortal da democracia burguesa no maior país da América do Sul.
No final de março, Bolsonaro demitiu seu ministro da Defesa e todo o comando das Forças Armadas. Esse fato, sem precedentes na história política brasileira, ocorreu enquanto o presidente clamava pela total subordinação das Forças Armadas à sua agenda de governo, particularmente ao combate de todas as medidas de controle da pandemia implementadas por governos locais. O episódio coincidiu com o 57º aniversário do golpe militar de 1964 no Brasil apoiado pelos EUA, que desencadeou duas décadas de ditadura no país. Esse marco sombrio foi abertamente celebrado na primeira ordem-do-dia do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.
Uma nova escalada da crise política ocorreu em maio, quando teve início a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a condução da pandemia de COVID-19 pelo governo Bolsonaro. A CPI foi alvo de reiteradas ameaças públicas não apenas de Bolsonaro, mas dos próprios comandantes militares, que deixaram claro que não aceitariam ser julgados pelos poderes civis.
Enquanto eram realizadas as audiências iniciais da CPI, Bolsonaro liderou comícios de extrema-direita nos quais reafirmou seus planos golpistas. Um deles teve a presença do ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que naquele momento era ouvido pela CPI por sua administração criminosa da crise da COVID-19, particularmente em Manaus. A mera presença de Pazuello, um militar da ativa, numa demonstração política representava uma violação do código militar e justificaria sua prisão, o que nunca ocorreu.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro pressionava o Congresso pela aprovação da sua chamada “emenda do voto impresso” à Constituição, ameaçando que sem isso não permitiria a realização de eleições em 2022. Atendendo às exigências conspiratórias do presidente, o Congresso levou a proposta à deliberação em agosto. Não apenas os militares endossaram as “preocupações” do presidente com “fraude” nas urnas, como, a pedido de Bolsonaro, realizaram uma parada com tanques de guerra em Brasília enquanto a votação era preparada no Congresso. Assombrosamente, a proposta obteve maioria dos votos parlamentares, apesar de não atingir os dois terços necessários para sua aprovação.
Um mês depois, em 7 de setembro, Bolsonaro convocou uma jornada nacional de protestos contra uma suposta conspiração, encabeçada pelo STF, para derrubá-lo do poder. As manifestações de caráter fascista, com cartazes pela intervenção militar e assunção de poderes absolutos pelo presidente, constituíram o ensaio geral de um golpe por Bolsonaro.
Em todos esses momentos críticos, a mídia burguesa atuou de forma uníssona para anestesiar a opinião pública frente a ameaças políticas sem paralelos nas últimas décadas. A mesma atitude foi tomada pela corrompida oposição burguesa a Bolsonaro encabeçada pelo PT, assim como pelas tendências pseudoesquerdistas pequeno-burguesas reunidas no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e em sua periferia. Para essas forças, cada um desses episódios seria testemunho da força das instituições burguesas e do “compromisso democrático” das Forças Armadas diante das aventuras delirantes de Bolsonaro.
Ao reportar as últimas manobras do Exército, a Folha repetiu esses mesmos argumentos cínicos. Num episódio do seu podcast “Café da Manhã” com participação de Igor Gielow, intitulado “Como o Exército se prepara para o risco de um Capitólio à brasileira”, o jornalista se esforçou para banalizar ao máximo as manobras no alto escalão militar e apresentar os militares como o bastião da democracia. “Não vejo nenhuma possibilidade [das Forças Armadas] apoiarem uma desobediência civil por parte do presidente”, ele afirmou.
A versão de Gielow, de que o motivo para os generais quererem mobilizar todas as tropas é poder conter “episódios de violência” aos moldes do Capitólio americano, não faz sentido. Para este fim, um batalhão ou dois da polícia do Exército seria mais que o suficiente. A clara preocupação do comando militar em ter todas as forças reunidas na “hora H” – ou parafraseando o general americano Mark Milley, o “momento Reichstag” do Brasil – é garantir uma resposta unificada das Forças Armadas a um golpe de Estado. Se eles vão apoiar a tomada de poderes ditatoriais por Bolsonaro, se opor a ela, ou se tomarão eles mesmos o poder é uma questão em aberto.
Apesar do PT permanecer em total silêncio sobre o assunto, a política sendo consistentemente buscada por Lula em sua corrida à presidência é de competir com Bolsonaro pelas graças da reacionária burguesia nacional e das Forças Armadas. Ao invés de organizar uma mobilização de massas contra os iminentes riscos de golpe, a crescente desigualdade social e a pandemia mortal de COVID-19 fora do controle, Lula tenta se vender à classe dominante como o representante mais capaz de bloquear o crescimento de tal movimento. Ao lado do PSOL, o PT buscou dar provas desse compromisso nefasto ao desmobilizar as manifestações massivas que emergiram no ano passado contra Bolsonaro e sua resposta homicida à pandemia de COVID-19.
Para a classe trabalhadora e a juventude brasileira, acreditar que os militares estão se preparando para bloquear um golpe promovido por Bolsonaro e seus apoiadores é um suicídio político. As forças que buscam pintar as graves ameaças ditatoriais no Brasil em tons pasteis estão abrindo caminho para a ascensão de um regime autoritário. Esses riscos só podem ser eliminados através de um movimento de massas da classe trabalhadora mobilizada contra todo o sistema capitalista e em luta pelo socialismo internacional.