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Milei e Bolsonaro participam da fascistoide CPAC no Brasil

No primeiro final de semana de julho, a versão brasileira da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) reuniu importantes figuras políticas fascistoides internacionalmente no país latino-americano. Estiveram presentes na conferência o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o presidente da Argentina Javier Milei e o chileno pinochetista Antonio Kast, além de políticos do partido português Chega e do governo de Nayib Bukele de El Salvador.

Javier Milei e Jair Bolsonaro durante a CPAC no Brasil [Photo: CPAC Brasil 2024]

Foi a quinta edição da conferência no Brasil, organizada desde 2019 por Eduardo Bolsonaro, deputado federal e um dos filhos do ex-presidente. Ele tem cultivado estreitos contatos com forças fascistoides globais, incluindo Donald Trump e seu círculo político nos EUA, a Alternativa para a Alemanha (AfD) e partidos latino-americanos e ibéricos ligados ao Foro de Madrid. Em 2021, ele acompanhou de perto o golpe de 6 de Janeiro nos EUA, que serviu de modelo para a tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023 liderada por seu pai no Brasil.

Neste ano, Eduardo Bolsonaro já tinha participado de dois outros eventos da CPAC, um nos EUA em fevereiro e outro na Hungria em abril, onde discursaram respectivamente Trump e o presidente húngaro Viktor Orbán. Neles, Eduardo Bolsonaro defendeu o que descreveu como “reféns do 8 de Janeiro”, uma referência aos condenados pelos ataques às sedes dos três poderes em Brasília em 2023, e denunciou outros supostos abusos do Supremo Tribunal Federal (STF), como a implementação de um regime de censura no Brasil.

Esses e outros temas caros à extrema direita mundial, como ataques ao direito ao aborto, a denúncia histérica de uma suposta “ideologia de gênero” nos currículos escolares e o “globalismo”, foram abordados nas apresentações da CPAC do último final de semana no Brasil. Seu objetivo imediato foi preparar campanhas de candidatos de extrema direita no Brasil, particularmente aqueles do Partido Liberal (PL) de Bolsonaro, para as eleições municipais do final deste ano.

Mas o mais importante é que a conferência teve como objetivo lançar e exibir o apoio oficial internacional a uma campanha em defesa de Bolsonaro e da legitimidade política de sua tentativa de golpe.

As investigações contra Bolsonaro pela Polícia Federal (PF), cujo relator é o Ministro do STF Alexandre de Moraes, estão chegando a um ponto crítico. Na semana passada, a PF indiciou o ex-presidente e 11 de seus aliados por lavagem de dinheiro, associação criminosa e apropriação de bens públicos pela venda ilegal de presentes oficiais, principalmente joias de luxo, recebidos de governos estrangeiros. As provas coletadas pela PF contra Bolsonaro são extensas e robustas.

Mais significativamente, o relatório da PF aponta que Bolsonaro utilizou parte do dinheiro recebido para financiar sua estadia nos EUA, para onde viajou logo antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) em 1˚ de janeiro de 2023 e serviu como um álibi para afastá-lo de qualquer envolvimento no golpe de 8 de Janeiro. Espera-se que a PF conclua nas próximas semanas a investigação contra Bolsonaro envolvendo a tentativa de golpe.

Na CPAC, Bolsonaro declarou: “Apesar de a PF ter ido três vezes na minha casa, hoje já tenho 300 e poucos processos ainda. Vale a pena. A gente não vai recuar”. Ele também criticou a decisão do ano passado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o tornou inelegível até 2030.

Saudando a ascensão da extrema direita no mundo, Bolsonaro disse: “O parlamento europeu deu uma forte guinada à direita, [na Argentina] está o Milei, está a [primeira-ministra Georgia] Meloni na Itália, teve eleições na França, se Deus quiser ... [nós teremos] Trump em novembro nos EUA”.

Bolsonaro terminou seu discurso fazendo um apelo para que se vote com “a razão” nas próximas eleições, justificando que “A composição do TSE já mudou. Por que se nós tivermos uma grande bancada..., pode ter certeza que a gente faz pelo parlamento, não pela canetada, uma história melhor para todos nós”.

Entre as medidas que o bolsonarismo quer aprovar no parlamento brasileiro é a anistia aos condenados do 8 de Janeiro, que poderá incluir o próprio Bolsonaro e comandantes militares que apoiaram a sua conspiração para instalar uma ditadura militar no Brasil, e o impeachment de ministros do STF. Em 2026, dois ministros do STF apontados por Bolsonaro farão parte do TSE, o que poderá abrir o caminho para ele reverter sua inelegibilidade.

Nesse sentido, Bolsonaro e seus aliados querem implementar no Brasil o que o governo do fascistoide Nayib Bukele tem feito em El Salvador. Na CPAC, seu ministro da justiça e segurança pública, Gustavo Villatoro, declarou que em El Salvador “Mandamos ‘al carajo’ a Corte Suprema de Justiça. E não apenas isso, também mandamos ‘al carajo’ o procurador da República”.

As políticas de prisão em massa e “tolerância zero” a pequenos crimes que o governo Bukele tem implementado também têm sido saudadas por Bolsonaro e seus aliados no Brasil. O governador de São Paulo e ex-ministro de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, declarou na CPAC que “em São Paulo não terá invasão de terra” pelos movimentos que reivindicam a reforma agrária, particularmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ligado ao PT, e que o “crime organizado ... não terá mais vez” no estado. Além disso, Freitas tem implementado em São Paulo um amplo programa de privatizações e ataques aos serviços sociais, particularmente a educação, como Milei tem feito na Argentina.

Em um movimento político altamente provocativo, Milei compareceu à versão brasileira da CPAC em sua primeira visita ao país vizinho após sua posse como presidente da Argentina em dezembro passado. Em seu discurso na CPAC, ele denunciou a “perseguição judicial que sofre nosso amigo Jair Bolsonaro aqui” no Brasil. Milei também defendeu seus cortes nos “gastos públicos” que têm levado a um empobrecimento recorde na Argentina.

Como de costume, ele denunciou o socialismo e os governos nacionalistas burgueses associados à “Maré Rosa”. O presidente argentino disse que Nicolás Maduro, que irá concorrer às próximas eleições na Venezuela no final do mês, “usa a pobreza” para se “manter no poder”, denunciou Luis Arce da Bolívia por planejar um suposto “autogolpe” no final de junho e condenou as “ditaduras assassinas em Cuba e Nicarágua”.

A visita de Milei ao Brasil intensificou uma crise diplomática com o governo Lula. Durante a campanha eleitoral na Argentina, Milei chamou Lula, que apoiou o candidato peronista Sergio Massa, de “comunista” e “corrupto”. Antes de chegar ao Brasil para a CPAC, Milei disse que não se desculparia e voltou a atacar Lula.

No que foi considerado uma quebra de protocolo e uma aberta provocação diplomática, Milei se recusou a se encontrar com Lula e representantes de seu governo e boicotou a reunião anual do Mercosul que aconteceu na segunda-feira passada no Paraguai. Depois de Milei ameaçar na campanha eleitoral tirar a Argentina do bloco econômico formado por Brasil, Uruguai, Paraguai e o novo membro Bolívia, a chanceler argentina Diana Mondino defendeu a “atualização do Mercosul” para torná-lo mais aberto e liberal.

Um elemento explosivo da intensificação da crise entre Brasil e Argentina tem sido a presença em solo argentino de pelo menos 48 fugitivos brasileiros condenados pelos ataques de 8 de janeiro em Brasília, que estão pedindo asilo político ao governo Milei. O fato de Milei ter denunciado a “perseguição judicial” a Bolsonaro na CPAC indica que seu governo poderá conceder asilo político não apenas a esses fugitivos, mas ao próprio ex-presidente caso ele seja condenado no próximo período.

Esse desenvolvimento político destaca os esforços do governo Milei não apenas para instalar um regime de repressão brutal contra a classe trabalhadora na Argentina, mas para converter o país em um centro de organização da extrema direita em todo o continente. Esse projeto contrarrevolucionário não é meramente o produto das intenções subjetivas de figuras desprezíveis como Milei e Bolsonaro, mas reflete, mais profundamente, os interesses da burguesia latino-americana em decomposição e de seus patronos imperialistas.

É significativo que os políticos por trás da versão latino-americana da CPAC têm atuado como os defensores mais diretos da agenda do imperialismo americano e europeu na região. Eles têm lutado sistematicamente para minar a resistência de governos, especialmente aqueles associados à “Maré Rosa”, para alinhar seus países de forma inequívoca com as posições da OTAN sobre a guerra contra a Rússia na Ucrânia e o genocídio de Israel em Gaza.

O crescimento das forças fascistas e do autoritarismo na América Latina está intrinsecamente ligado ao impulso do imperialismo em direção a uma Terceira Guerra Mundial. Ao buscar uma escalada de guerra na região contra seus chamados “adversários estratégicos”, principalmente a China, Washington e as capitais europeias contam com seus laços historicamente estabelecidos com as classes dominantes e os militares da região. Não é por acaso que Milei e Bolsonaro são defensores entusiasmados das ditaduras militares apoiadas pelos EUA no Brasil (1964-1985) e na Argentina (1976-1983).

A classe trabalhadora latino-americana e internacional deve encarar esses eventos com a maior seriedade. Ela deve rejeitar toda a minimização, por parte dos governos da “Maré Rosa” e de seus apoiadores na pseudoesquerda, das ameaças representadas pela escalada da guerra global e pelos golpes e ditaduras fascistas, lutando para se organizar como uma força política independente e confrontar a origem dessas ameaças, o sistema capitalista.

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