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Eleições municipais no Brasil revelam abismo entre ordem política capitalista e a classe trabalhadora

As eleições municipais de 2024, realizadas em meio a um agravamento explosivo da crise política internacional, expuseram a podridão e reação política crescente da ordem burguesa no Brasil.

Professores e funcionários públicos manifestam-se diante da prefeitura de São Paulo em 13 de outubro de 2021. (crédito: WSWS)

No primeiro processo eleitoral desde a tentativa de golpe do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, as forças políticas de extrema-direita cresceram expressivamente. Isso inclui o Partido Liberal (PL) de Bolsonaro, o que mais cresceu em número de votos e que elegeu o maior número de prefeitos em cidades com mais de 200 mil habitantes.

O Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por sua vez, sofreram um debacle eleitoral. Tendo retornado ao poder presidencial com a eleição de Lula da Silva, há dois anos, o PT se provou incapaz de reverter um processo de definhamento político de mais de uma década.

Esses resultados, no entanto, não indicam um giro à direita da população brasileira como um todo. O fato político mais marcante destas eleições é a rejeição massiva da classe trabalhadora ao establishment político falido, evidenciada num recorde de abstenções e votos nulos.

Nenhum dos partidos estabelecidos, incluindo a suposta “esquerda”, têm respostas aos problemas cruciais que confrontam os trabalhadores brasileiros, enraizados na crise do sistema capitalista mundial. As questões candentes – como a nova guerra mundial em ascensão, a explosão da desigualdade social, o esfacelamento da democracia, eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes, a evolução persistente da COVID-19 e a ameaça de outras pandemias – foram absolutamente excluídas do debate político oficial.

O abismo entre as preocupações e interesses objetivos da classe trabalhadora e o poder burguês estabelecido é indicativo de uma crise revolucionária em desenvolvimento.

O fiasco eleitoral do PT

Dois anos depois da eleição de Lula para um terceiro mandato presidencial, o aumento de cerca de 30% de votos para prefeitos em relação à eleição de 2020 e a conquista de 252 prefeituras está longe de ter feito o PT recuperar seus votos em 2012, quando elegeu 652 prefeitos, incluindo quatro capitais.

Além disso, ao contrário de eleições anteriores, quando o PT elegeu prefeitos em grandes cidades com alta concentração operária, 90% das prefeituras conquistadas pelo partido este ano foram em pequenas cidades, com até 50 mil eleitores.

Fundado no início dos anos 1980 em meio a greves operárias massivas que levaram à queda da ditadura militar, prometendo uma nova via ao socialismo por meio das eleições burguesas, o PT traiu sistematicamente os anseios socialistas e democráticos da classe trabalhadora brasileira. No início dos anos 2000, o PT havia se consolidado como o partido preferido da elite financeira brasileira e internacional, se tornando o maior beneficiário de doações milionárias de grandes empresas para suas campanhas eleitorais.

A imposição de medidas de austeridade contra os trabalhadores e seu envolvimento em escândalos de corrupção desacreditou profundamente o PT e precipitou o colapso de seus resultados eleitorais a partir de 2012. Deixando de ver o PT como uma ferramenta efetiva de supressão política da classe trabalhadora, a classe dominante impulsionou o processo fraudulento de impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, assistido passivamente pelo PT. Na sequência, Lula foi condenado à prisão por corrupção.

A crise histórica do PT – a manifestação mais concentrada da crise de todo o regime político do Brasil pós-ditadura – abriu caminho à ascensão de Bolsonaro à presidência em 2018. Nas eleições municipais seguintes, em 2020, o PT obteve o pior desempenho de sua história.

A falência da ordem burguesa, aprofundada pelas aventuras golpistas de Bolsonaro e o agravamento das contradições sociais e econômicas após a pandemia de COVID-19, levaram a classe dominante a reabilitar Lula e aglutinar-se em torno de sua campanha presidencial em 2022.

Embora a classe capitalista tenha escolhido Lula como uma figura mais hábil para encobrir a instabilidade do seu regime político falido e de evocar memórias de um passado econômico mais próspero, o retorno do PT à presidência não levou à diminuição da sua cisão com a classe trabalhadora.

A rejeição massiva ao PT entre a população trabalhadora foi claramente demonstrada em São Paulo, o estado mais industrializado do país, onde seu desempenho despencou de 895.347 votos em 2020 para 393.714 votos neste ano.

Uma vez apelidadas de “cinturão vermelho”, em referência à enorme influência eleitoral do PT, as cidades industriais no entorno de São Paulo capital foram palco das maiores derrotas do partido. Tendo governado várias delas por mais de um mandato, o PT chegou ao segundo turno este ano apenas em Diadema e Mauá, se elegendo apenas nesta última. Depois de ter seu pior resultado numa eleição em São Paulo capital em 2020, quando o candidato Jilmar Tatto ficou num longínquo sexto lugar, pela primeira vez o PT deixou de apresentar um candidato próprio à prefeitura da cidade. O PT apoiou Guilherme Boulos do PSOL, ficando responsável por indicar sua candidata a vice, Marta Suplicy.

Em Porto Alegre, capital do estado sulista do Rio Grande do Sul que foi atingido duramente por enchentes recordes em maio deste ano, a abstenção atingiu quase 35%. Lá, mesmo com toda a negligência do atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), em relação à infraestrutura da cidade no combate às enchentes, ele foi reeleito com larga margem contra a candidata pelo PT, Maria do Rosário (62% contra 38%).

O PT governou Porto Alegre por quatro gestões consecutivas, de 1989 a 2004. Nesse período, a cidade instituiu iniciativas como o Orçamento Participativo que, segundo o PT, seriam os primeiros passos em sua “via ao socialismo” através do Estado burguês. Porto Alegre também foi escolhida para sediar as primeiras edições do Fórum Social Mundial.

A derrota de Boulos em São Paulo e a exposição do “combate ao fascismo” da pseudoesquerda

Os resultados obtidos pelo PT e o PSOL nas eleições foram uma resposta demolidora ao programa falido da pseudoesquerda baseado na alegação de que o ressurgimento do fascismo exige uma “frente ampla” dos partidos “democráticos” do establishment burguês. Não só essa falsa narrativa política distorce as verdadeiras origens sociais da ofensiva contra a democracia, mas não representa qualquer barreira ao ascenso do fascismo.

Sob o governo da “frente ampla” de Lula, o PT e a pseudoesquerda vêm promovendo sistematicamente os militares e forças políticas fascistoides que conspiraram o golpe de Estado de 8 de janeiro de 2024. Esse fato foi explicitamente demonstrado nestas eleições, em que o PT disputou quase uma centena de cidades em coligação com o PL de Bolsonaro e, como resultado, vão administrar conjuntamente 49 prefeituras onde se elegeram.

Ao mesmo tempo, ao promover a agenda comum da burguesia de austeridade e repressão contra a classe trabalhadora sob a bandeira enganadora de “unidade pela democracia”, o PT e a pseudoesquerda estão abrindo avenidas políticas para a extrema-direita explorar o descontentamento massivo com as condições existentes.

Isso ficou patente na rejeição massiva à campanha do PSOL/PT nas eleições em São Paulo. Boulos foi derrotado pelo atual prefeito Ricardo Nunes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), uma figura fascistoide apadrinhada por Bolsonaro, por 59% contra 41%. O número de abstenções e votos brancos e nulos atingiu um recorde de 3,6 milhões, significativamente maior que os 3,3 milhões votos em Nunes.

Apesar de Boulos ser intensamente promovido por Lula, os votos obtidos pelo presidente em 2022 não foram transferidos ao candidato do PSOL. Enquanto Lula recebeu 3,7 milhões de votos em 2022 em São Paulo, Boulos obteve 2,3 milhões de votos. Isso é um indício da insatisfação já acumulada pelo governo Lula, incapaz de oferecer qualquer perspectiva de melhoria das condições de vida após quase dois anos no poder.

A derrota de Boulos demonstrou, mais uma vez, a completa falência do “populismo de esquerda”, que só produziu desastres para a classe trabalhadora internacionalmente, como com o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha. Em sua segunda disputa da prefeitura de São Paulo, Boulos adotou posições cada vez mais abertamente de direita e recebeu recursos financeiros astronômicos que tornaram sua campanha a mais custosa do Brasil, gastando R$20 milhões a mais que Nunes. Apesar disso, o candidato do PSOL não aumentou seus votos totais e viu seu apoio cair drasticamente nas periferias mais pobres da cidade.

O que a campanha pseudoesquerdista de Boulos e sua promessa de “varrer o bolsonarismo de São Paulo” de fato conquistaram foi uma aproximação ainda maior ao fascismo. Em sua busca desesperada por votos, Boulos aceitou um convite para participar de uma live com Pablo Marçal, tendo uma confraternização política amigável com o candidato mais abertamente fascista nas eleições paulistanas, derrotado no primeiro turno.

Uma semana antes do segundo turno, Boulos lançou uma “Carta ao Povo de São Paulo”, dizendo que “Nosso governo será de diálogo e construção conjunta, sem amarras a qualquer tipo de sectarismo.” No mesmo dia, ele se encontrou com lideranças evangélicas, justificando que, “mais do que ideologias”, o que o movia a governar São Paulo “é uma questão de humanidade. Tem coisas que não importa se você é de esquerda ou direita, é [questão de] humanidade”.

Morenistas limpam suas pegadas e preparam novas traições

Há quatro anos, a análise do Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) sobre a adaptação crescente da pseudoesquerda às forças militares e fascistas em ascensão na política brasileira recebeu uma resposta histérica dos morenistas do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), que publica o Esquerda Diário. Os morenistas acusaram o GSI e o WSWS de calúnia por ter corretamente apontado à cumplicidade do MRT nesse processo conforme ele participava da campanha eleitoral do PSOL lançando candidatos através deste partido.

Como as diferentes tendências antitrotskistas pablistas que impulsionaram historicamente Lula e, quando as traições do PT ficaram expostas demais, como ratos num naufrágio abandonaram o partido para formar o PSOL, os morenistas do MRT passaram a última década promovendo ilusões nesse partido pseudoesquerdista pequeno-burguês e a tese absurda de que o PSOL era um meio necessário para a construção de um partido revolucionário no Brasil.

Hoje, quando a essência política reacionária do PSOL vem à tona com toda força, o MRT e outros grupos que buscam manter um verniz radical (como a Organização Comunista Revolucionária – OCI, ligado à Internacional Comunista Revolucionária de Alan Woods, que desfiliou-se do PSOL há um ano) estão engajados em uma operação para encobrir seus próprios rastros e criar novas armadilhas políticas para os jovens e trabalhadores do Brasil. O MRT lançou candidatos este ano através do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), como fizera nas eleições de 2022. Ele se apresentou como “bancada comunista”, adotando como lema: “contra a extrema direita, as reformas e a conciliação de classes”. Apesar de reconhecerem os resultados nefastos das políticas perseguidas pelo PT e o PSOL, as declarações eleitorais dos morenistas tiram conclusões políticas completamente falsas e desorientadoras.

A caracterização das políticas do PT e do PSOL como de “conciliação de classes” cumpre um papel particularmente ardiloso. O choque dessa terminologia com a realidade é ressaltado por uma afirmação feita pelo próprio MRT em um balanço das eleições. Retomando como o PSOL “passou a integrar o governo e a Frente Ampla, fez Federação com um partido burguês como a Rede, assumiu programas e discursos da direita”, concluem que hoje ele “tornou-se um partido movido em grande medida por uma militância paga pelo Fundo Eleitoral de 126 milhões de reais e pelos mandatos parlamentares.”

O que se revela nessas considerações objetivas sobre o PSOL (cujas analogias em relação ao PT são óbvias) é um partido formado por uma burocracia de classe média materialmente dependente em todos os níveis da burguesia nacional e seu Estado. Contudo, quando o MRT apresenta as políticas desses partidos como de “conciliação de classes”, ele implica falsamente que estes são partidos essencialmente da classe trabalhadora mas direcionados politicamente à burguesia.

Essa caracterização enganadora não é não é um simples erro teórico, mas uma orientação política definida. Seu objetivo é aprisionar toda a oposição de esquerda dentro da órbita desses partidos e dos sindicatos corporativistas que eles controlam, entre os quais os morenistas disputam avidamente por espaço.

Essa perspectiva pablista degenerada é o verdadeiro teor daquilo que o MRT falsamente apresenta como uma “posição de independência de classe”. Em suas palavras, isso se resumiria a “construir a mobilização independente dos trabalhadores batalhando nos sindicatos por um plano de luta efetivo contra os ataques e em defesa dos nossos direitos”, como afirmaram em sua declaração de apoio ao sindicalista Altino Prazeres, candidato do PSTU em São Paulo.

Assim como o PSTU, que chamou voto em Boulos no segundo turno, o MRT deixou clara a total falta de seriedade de sua oposição ao PSOL e ao PT, declarando ao fim da campanha: “Compreendemos que muitos trabalhadores e jovens depositem no voto em Boulos a expectativa de derrotar Nunes eleitoralmente. Ainda que não compartilhamos dessa posição, nós do MRT vamos estar na primeira fileira, como sempre estivemos, do combate a Nunes e Marçal e todos os tons de bolsonarismo“. Eles poderiam bem ter escrito: “Desculpem, não podemos nos dar ao luxo de sujar as mãos desta vez, mas logo estaremos juntos nas próximas campanhas sindicais”.

Construir o Comitê Internacional da Quarta Internacional no Brasil

Ao contrário do que pregam os morenistas, uma alternativa política da classe trabalhadora não virá de um amálgama de organizações da pseudoesquerda nacionalista subordinada aos aparatos burocráticos dos sindicatos e do Estado burguês. Uma real alternativa exige uma luta para construir uma direção revolucionária no seio da classe trabalhadora conscientemente oposta à burguesia nacional e seus agentes e guiada por um programa genuinamente internacionalista e socialista. Este é o verdadeiro significado de “independência de classe”.

Tal perspectiva socialista revolucionária em resposta à crise política explosiva no Brasil é exclusivamente defendida pelo Grupo Socialista pela Igualdade. Em resposta às eleições municipais no Brasil, o GSI lançou o chamado: “Não ao fascismo, à guerra e à barbárie capitalista! Romper com o PT, o PSOL e a pseudoesquerda! Construir o CIQI no Brasil!”.

O documento do GSI alertou que “o destino das massas trabalhadoras no Brasil e em toda América Latina está totalmente atado ao desenrolar” de “uma nova guerra imperialista mundial”. Em resposta à crise burguesa, convocou a “a classe trabalhadora e a juventude brasileira a romper com todos os partidos pró-capitalistas e lutar por seus interesses políticos independentes em unidade com os trabalhadores de todo o mundo… guiada pela estratégia internacionalista do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).”

Durante o segundo turno das eleições, o GSI publicou uma entrevista em vídeo com o candidato presidencial do Partido Socialistas pela Igualdade (EUA), Joseph Kishore. A discussão abordou as profundas conexões e implicações da crise política nos Estados Unidos para o Brasil e a intervenção política globalmente coordenada do CIQI.

Convocamos nossos leitores no Brasil a estudar essas perspectivas e tomar a decisão de se filiar ao GSI.

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